segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Irlanda, o duplo impacte económico da pandemia

A crise sanitária­­­­­­­ provocou desequilíbrios nas economias mundiais, tendo sido responsável por quedas acentuadas no comércio e pela paralisação parcial de alguns setores da atividade económica e, em casos mais extremos, total. Estes choques incitaram, em 2020, uma descida de 3,5% do PIB mundial, uma contração de 6,6% do PIB na Zona Euro e de 6,2% na União Europeia. Todavia, existiram duas exceções neste panorama que conseguiram escapar a uma recessão no ano passado: a China, uma grande potência mundial; e a Irlanda, que será estudo deste trabalho.

          Surpreendentemente, a Irlanda apresentou, em 2020, um acréscimo de 3,4% do PIB (segundo dados do Instituto de Estatística irlandês), contudo, isto não significa que a economia irlandesa não sofreu com a pandemia. De facto, como refere Pashcal Donohoe – ministro das Finanças da Irlanda e atual presidente do Eurogrupo – a interpretação deste resultado tem de ser feita de forma cautelosa uma vez que o “PIB não é a medida mais correta do que está a acontecer na economia”. Na verdade, o excedente verificado deve-se à atividade das multinacionais sediadas no país, principalmente norte-americanas, relacionadas com o setor farmacêutico e tecnológico, uma vez que se trata de uma economia muito aberta e dependente da produção destas empresas e, também, do comportamento da procura global.

          A pergunta que se coloca é: porque decidiram as empresas multinacionais (offshores) sediar a sua atividade económica e propriedade intelectual na Irlanda? O principal motivo está relacionado com as políticas públicas orientadas para a captação de investimento, apresentando baixas taxas de imposto sobre o lucro e capitais, assim dizendo, possue uma fiscalidade atrativa. Por consequência, as vendas, ou melhor, a produção gerada nestas empresas contribui para o PIB irlandês ao invés de fazerem parte do PIB de outros países.

Estas corporações oferecem emprego numa escala menor à do investimento e da produção, dado que parte dos postos de trabalho associados provém de recrutamentos não só nacionais mas também internacionais. Desta forma, a presença e a dimensão das mesmas (como a Google, Apple e Microsoft) dificultam a leitura dos números do crescimento do país, que divergem significativamente ao incorporar ou não a atividade das multinacionais. 

Foi o crescimento de 6,25% das exportações de serviços através das multinacionais (apesar da queda da procura mundial e a quebra das importações por causa da redução do consumo privado) e o crescimento de 9,8% dos gastos públicos que permitiram ao PIB crescer em 2020. No entanto, há um indicador usado pelo INE irlandês que mostra a outra face da moeda: a “procura interna modificada”, uma medida da atividade interna que exclui o efeito das multinacionais e que inclui o investimento e os consumos público e privado, contraiu 5,4% em 2020, número este próximo das recessões registadas nos outros países europeus.

De um ponto de vista macroeconómico, é possível identificar dois cenários diferentes, em 2020. Se, por um lado, o consumo privado de bens e serviços contraiu 9% (representa o dobro da queda apresentada durante a crise financeira internacional de 2009), os setores de transporte, distribuição, restauração e alojamento assinalaram uma contração combinada de 16,7%, e o setor das artes e entretenimento colapsou, com uma queda de 54,4%. Por outro lado, constata-se que o setor das multinacionais progrediu 16,2%, passando a representar 50% do Valor Absoluto Bruto (VAB), um acréscimo de 6,7% desde o ano anterior.

Assim, numa perspetiva pessoal e tendo em mente as evidências supramencionadas, considero que a análise de uma economia não pode ser feita só com o indicador PIB, na medida em que este não representa na totalidade a realidade. Observo, ainda, que a Comissão Europeia deveria intervir na fiscalidade presente na Irlanda. Caso contrário, este modelo de tributação proporciona benefícios para os paraísos fiscais e provoca um contexto de desigualdade nesta área para com os restantes países.

 

Bruna Freitas Lomba Costa

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]  

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