A crise sanitária
provocou desequilíbrios nas economias mundiais, tendo sido responsável por
quedas acentuadas no comércio e pela paralisação parcial de alguns setores da
atividade económica e, em casos mais extremos, total. Estes choques incitaram,
em 2020, uma descida de 3,5% do PIB mundial, uma contração de 6,6% do PIB na
Zona Euro e de 6,2% na União Europeia. Todavia, existiram duas exceções neste
panorama que conseguiram escapar a uma recessão no ano passado: a China, uma
grande potência mundial; e a Irlanda, que será estudo deste trabalho.
Surpreendentemente, a Irlanda apresentou, em
2020, um acréscimo de 3,4% do PIB (segundo dados do Instituto de Estatística
irlandês), contudo, isto não significa que a economia irlandesa não sofreu com
a pandemia. De facto, como refere Pashcal Donohoe – ministro das Finanças da
Irlanda e atual presidente do Eurogrupo – a interpretação deste resultado tem
de ser feita de forma cautelosa uma vez que o “PIB não é a medida mais correta
do que está a acontecer na economia”. Na verdade, o excedente verificado
deve-se à atividade das multinacionais sediadas no país, principalmente
norte-americanas, relacionadas com o setor farmacêutico e tecnológico, uma vez
que se trata de uma economia muito aberta e
dependente da produção destas empresas e, também, do comportamento da procura
global.
A pergunta que se coloca é: porque decidiram
as empresas multinacionais (offshores) sediar a sua atividade económica
e propriedade intelectual na Irlanda? O principal motivo está relacionado com as
políticas públicas orientadas para a captação de investimento, apresentando
baixas taxas de imposto sobre o lucro e capitais, assim dizendo, possue uma
fiscalidade atrativa. Por consequência, as vendas, ou melhor, a produção gerada
nestas empresas contribui para o PIB irlandês ao invés de fazerem parte do PIB
de outros países.
Estas corporações oferecem
emprego numa escala menor à do investimento e da produção, dado que parte dos postos de trabalho associados provém de
recrutamentos não só nacionais mas também internacionais. Desta forma, a presença e a
dimensão das mesmas (como a Google, Apple e
Microsoft) dificultam a
leitura dos números do crescimento do país, que divergem significativamente ao
incorporar ou não a atividade das multinacionais.
Foi o crescimento de 6,25% das
exportações de serviços através das multinacionais (apesar da queda da
procura mundial e a quebra das importações por causa da redução do consumo
privado) e o crescimento de 9,8% dos gastos públicos que permitiram ao PIB
crescer em 2020. No entanto, há um indicador usado pelo INE irlandês que mostra
a outra face da moeda: a “procura interna modificada”, uma medida da atividade
interna que exclui o efeito das
multinacionais e que inclui
o investimento e os consumos público e privado, contraiu 5,4% em 2020, número
este próximo das recessões registadas nos outros países europeus.
De um ponto de vista
macroeconómico, é possível identificar dois cenários diferentes, em 2020. Se,
por um lado, o consumo privado de bens e serviços contraiu 9% (representa o
dobro da queda apresentada durante a crise financeira internacional de 2009),
os setores de transporte, distribuição, restauração e alojamento assinalaram
uma contração combinada de 16,7%, e o setor das artes e entretenimento colapsou,
com uma queda de 54,4%. Por outro lado, constata-se que o setor das
multinacionais progrediu 16,2%, passando a representar 50% do Valor Absoluto
Bruto (VAB), um acréscimo de 6,7% desde o ano anterior.
Assim, numa
perspetiva pessoal e tendo em mente as evidências supramencionadas, considero que
a análise de uma economia não pode ser feita só com o indicador PIB, na medida
em que este não representa na totalidade a realidade. Observo, ainda, que a
Comissão Europeia deveria intervir na fiscalidade presente na Irlanda. Caso
contrário, este modelo de tributação proporciona benefícios para os paraísos
fiscais e provoca um contexto de desigualdade nesta área para com os restantes
países.
Bruna Freitas Lomba Costa
[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
Sem comentários:
Enviar um comentário