Uma
paragem brusca da economia, como a que sentimos, resulta num cenário para o
qual o mundo não estava preparado. A pandemia, entre muitas outras coisas, provocou um grande
choque económico, no âmbito do qual as oscilações na propagação do vírus e as
medidas de distanciamento social adotadas para o conter se refletiram em
flutuações significativas na atividade económica. Não deve, portanto,
constituir surpresa a considerável volatilidade da inflação a que também
assistimos durante o período da pandemia.
O Governo português,
na proposta orçamental para 2022, estimou uma taxa de inflação anual para 2021
de 0,7%, mantendo a previsão para 2022 nos 0,9%.
Numa nota
breve de reação aos números do INE, a equipa de economistas do BPI aponta que
“a tendência da inflação até final do ano manter-se-á ascendente, mas continua
rodeada de alguma incerteza, explicada, em larga medida, pelos efeitos nos preços
praticados ao consumidor decorrentes dos preços dos bens energéticos e também
do atraso no restabelecimento das cadeias de abastecimento”.
Como todos
sabemos, após um período de constrangimento do consumo por via das medidas de
confinamento e de contingência, os preços subiram porque a procura aumentou
substancialmente, não tendo sido acompanhada pela oferta. Assim, torna-se
pertinente estudar a dinâmica da inflação durante este período e de que forma
os preços dos diferentes bens influenciaram o seu comportamento.
Focando-nos
então na subida dos preços, podemos enumerar algumas variáveis que estimularam
esta realidade. A primeira variável é precisamente a crise energética, caraterizada
pela rápida subida dos preços do gás natural, afetando toda a economia. As
fábricas, que funcionam a eletricidade, e os processos produtivos que
incorporam uma parte relevante em custos energéticos refletiram isso no custo
dos bens. De uma forma simplista, conseguimos perceber que não é só nos preços
diretos, sentidos pelos consumidores, que se fundamentou a subida da inflação,
mas sim no impacto que esta crise tem tanto no processo produtivo como no
preço dos bens a apresentar ao mercado.
Uma segunda variável prende-se com a crise nos abastecimentos. Portos com
carga acumulada, e estaleiros de contentores parados, sem forma de enviar os
bens para os seus destinos, são uma assustadora e silenciosa realidade. Este
“constrangimento” limita fortemente o acesso às mercadorias e bens, levando a
que a sua escassez agrave o desequilíbrio entre a oferta e a procura e,
consequentemente, resulte no aumento do preço final.
Há também um outro fator que eu acho importante referir. Para poder fazer
face à pandemia, Portugal aplicou políticas fiscais e monetárias muito
expansionistas, através de vários mecanismos, como a compra de ativos
financeiros nos mercados e de empréstimos aos bancos. Teve ainda a maior
injeção de liquidez dos bancos centrais das últimas décadas e, graças a estes
programas, houve muita mais liquidez do lado da procura a nível social, enquanto
do lado da oferta esta ficou estática, rígida e a ter dificuldades devido à
pandemia. Assim, a procura foi muito maior, o que criou uma enorme tensão e fez
com que os preços aumentassem.
Por último, os
efeitos da pandemia impactaram na forma como as pessoas passaram a olhar para
as suas carreiras, e a falta de mão-de-obra registou-se aquando desta, tendo-se
agravado com o fim do teletrabalho e com o “regresso à normalidade”. Os
abandonos voluntários originaram crise na mão-de-obra e aumentos significativos
dos salários. As empresas não estavam preparadas para este fenómeno, levando ao
aumento de preços nos produtos finais, dada a redução da produção e o aumento
do custo do trabalho na produção.
Em suma,
podemos facilmente concluir que se trata de um processo estrutural, e não
conjuntural, e que a inflação não irá desaparecer sem que para tal algo seja
feito. A economia está a sentir os impactes deste fenómeno, e os bancos
centrais vão ter que acabar por intervir para conter os danos. Contudo, é
preciso ter cuidado com setores específicos, e compreender se há políticas
setoriais e industriais que podem ser adotadas para impedir que um aumento
particular dos preços possa influenciar e desestabilizar a economia.
Esperemos que a economia não interiorize que a inflação veio para ficar, porque isso leva a que as famílias e empresas comecem a ter comportamentos que acabam por reforçá-la, através do açambarcamento, causados pela ideia de que os bens podem escassear.
Ângela Ferreira
Bibliografia:
https://observador.pt/2021/10/29/inflacao-atinge-18-em-outubro-em-portugal/
[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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