sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A dinâmica da inflação durante a pandemia

Uma paragem brusca da economia, como a que sentimos, resulta num cenário para o qual o mundo não estava preparado. A pandemia, entre muitas outras coisas, provocou um grande choque económico, no âmbito do qual as oscilações na propagação do vírus e as medidas de distanciamento social adotadas para o conter se refletiram em flutuações significativas na atividade económica. Não deve, portanto, constituir surpresa a considerável volatilidade da inflação a que também assistimos durante o período da pandemia.

O Governo português, na proposta orçamental para 2022, estimou uma taxa de inflação anual para 2021 de 0,7%, mantendo a previsão para 2022 nos 0,9%. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de inflação em Portugal atingiu os 1,8% em outubro, enquanto em setembro tinha ficado nos 1,5%, na comparação homóloga. O INE estimou ainda em 0,8% a variação média nos últimos doze meses, acima dos 0,6% de setembro.

 

Numa nota breve de reação aos números do INE, a equipa de economistas do BPI aponta que “a tendência da inflação até final do ano manter-se-á ascendente, mas continua rodeada de alguma incerteza, explicada, em larga medida, pelos efeitos nos preços praticados ao consumidor decorrentes dos preços dos bens energéticos e também do atraso no restabelecimento das cadeias de abastecimento”.

Como todos sabemos, após um período de constrangimento do consumo por via das medidas de confinamento e de contingência, os preços subiram porque a procura aumentou substancialmente, não tendo sido acompanhada pela oferta. Assim, torna-se pertinente estudar a dinâmica da inflação durante este período e de que forma os preços dos diferentes bens influenciaram o seu comportamento.

Focando-nos então na subida dos preços, podemos enumerar algumas variáveis que estimularam esta realidade. A primeira variável é precisamente a crise energética, caraterizada pela rápida subida dos preços do gás natural, afetando toda a economia. As fábricas, que funcionam a eletricidade, e os processos produtivos que incorporam uma parte relevante em custos energéticos refletiram isso no custo dos bens. De uma forma simplista, conseguimos perceber que não é só nos preços diretos, sentidos pelos consumidores, que se fundamentou a subida da inflação, mas sim no impacto que esta crise tem tanto no processo produtivo como no preço dos bens a apresentar ao mercado.

Uma segunda variável prende-se com a crise nos abastecimentos. Portos com carga acumulada, e estaleiros de contentores parados, sem forma de enviar os bens para os seus destinos, são uma assustadora e silenciosa realidade. Este “constrangimento” limita fortemente o acesso às mercadorias e bens, levando a que a sua escassez agrave o desequilíbrio entre a oferta e a procura e, consequentemente, resulte no aumento do preço final.

Há também um outro fator que eu acho importante referir. Para poder fazer face à pandemia, Portugal aplicou políticas fiscais e monetárias muito expansionistas, através de vários mecanismos, como a compra de ativos financeiros nos mercados e de empréstimos aos bancos. Teve ainda a maior injeção de liquidez dos bancos centrais das últimas décadas e, graças a estes programas, houve muita mais liquidez do lado da procura a nível social, enquanto do lado da oferta esta ficou estática, rígida e a ter dificuldades devido à pandemia. Assim, a procura foi muito maior, o que criou uma enorme tensão e fez com que os preços aumentassem. 

Por último, os efeitos da pandemia impactaram na forma como as pessoas passaram a olhar para as suas carreiras, e a falta de mão-de-obra registou-se aquando desta, tendo-se agravado com o fim do teletrabalho e com o “regresso à normalidade”. Os abandonos voluntários originaram crise na mão-de-obra e aumentos significativos dos salários. As empresas não estavam preparadas para este fenómeno, levando ao aumento de preços nos produtos finais, dada a redução da produção e o aumento do custo do trabalho na produção.

Em suma, podemos facilmente concluir que se trata de um processo estrutural, e não conjuntural, e que a inflação não irá desaparecer sem que para tal algo seja feito. A economia está a sentir os impactes deste fenómeno, e os bancos centrais vão ter que acabar por intervir para conter os danos. Contudo, é preciso ter cuidado com setores específicos, e compreender se há políticas setoriais e industriais que podem ser adotadas para impedir que um aumento particular dos preços possa influenciar e desestabilizar a economia.

Esperemos que a economia não interiorize que a inflação veio para ficar, porque isso leva a que as famílias e empresas comecem a ter comportamentos que acabam por reforçá-la, através do açambarcamento, causados pela ideia de que os bens podem escassear.

 

Ângela Ferreira

Bibliografia:

https://www.bportugal.pt/comunicado/comunicado-do-banco-de-portugal-sobre-o-boletim-economico-de-junho-de-2021

https://observador.pt/2021/10/29/inflacao-atinge-18-em-outubro-em-portugal/ 

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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