A microeconomia ensina-nos a prever o comportamento do
indivíduo-consumidor partindo do pressuposto de que o mesmo é racional, procurando
sempre maximizar a sua utilidade. Comportando-se todos os indivíduos dessa
mesma forma, o bem-estar social é também maximizado, desde que o indivíduo
disponha de um amplo leque de opções e a liberdade necessárias para poder
maximizar a sua utilidade de acordo com as suas preferências e dentro do seu
rendimento. Assim, quantas mais opções e quanto mais consumo maior a utilidade
do indivíduo.
No entanto, falamos de modelos, de representações da
realidade e não de descrições detalhadas da mesma. Não é difícil encontrar
situações que contrariem esse pressuposto, isto é: para certos bens e serviços,
consumir mais nem sempre aumenta a utilidade do indivíduo, nem o bem-estar
social, dadas as externalidades negativas. Os exemplos que mais facilmente nos
vêm à cabeça é o consumo excessivo de álcool e de drogas que leva a sérios
problemas de saúde física e mental. O problema é agravado quando empresas criam
bens e serviços para explorar a “falta de racionalidade” dos consumidores, como
sucedeu com as tabaqueiras, que intencionalmente conceberam cigarros ainda mais
viciantes e campanhas publicitárias dirigidas aos mais jovens, ou os bancos
norte-americanos, que concediam empréstimos subprime que levariam muitos
à ruína financeira.
Perante os potenciais efeitos destes bens e serviços, considera-se
que as preferências de alguns consumidores são perigosas para os mesmos e para
a sociedade, havendo também quem defenda a inviabilidade de se deixar o
indivíduo à sua própria sorte junto de empresas exploradoras dos seus vieses
cognitivos. A autoridade do Estado encontra, assim, justificação para impor
regulações que eliminem ou mitiguem esses efeitos. Com efeito, bens e serviços
não regulados cujo consumo causa efeitos prejudiciais são raros. No entanto, as
redes sociais têm escapado a essa regulação em grande parte, apesar das
consequências do seu consumo excessivo.
O negócio das redes sociais consiste em expor o indivíduo ao
maior número de anúncios publicitários possível, pelo que a atratividade das
redes sociais para os anunciantes depende da capacidade das mesmas em chamar e
manter a atenção do indivíduo. Para tal, as redes sociais recorrem à oferta de
vários serviços de informação, comunicação e interação com outras pessoas e à
promoção de conteúdo inflamatório ou estimulante. Através de likes, thumbs
up e upvotes e algoritmos que levam sempre à promoção do conteúdo
mais chamativo, as redes sociais ativam os “centros de recompensa” dos nossos
cérebros, aumentando a secreção de dopamina. No entanto, a sensação de prazer é
temporária, o que leva o consumidor a recorrer novamente às redes sociais até
que o utilizador ganha “tolerância” e o consumo deixa ser prazeroso, à
semelhança de outras dependências. Não são, pois, surpresa os vários estudos que
associam o uso excessivo das redes sociais a estados de depressão, ansiedade e
outros transtornos de humor, perda de sono e isolamento social, bem como aqueles
que trazem relatos de pessoas que dizem se sentir melhor quando deixam de usar
as redes sociais ou diminuem o seu consumo. Mais uma vez: à semelhança do que sucede
com outras dependências, não esquecer que muitos destes efeitos afetam especialmente
os mais jovens.
De notar ainda que só estamos a falar no âmbito das relações
entre as redes sociais e os seus utilizadores, porque se estendermos o âmbito
desta discussão às relações entre as redes sociais e as comunidades, em geral,
então teremos que falar de outros fenómenos que fazem das redes sociais
potenciais inimigas das nossas democracias (fake news, efeitos echo
chamber, propagação de ódio, etc.).
É de concluir que as redes são um produto que se insere na
categoria dos que carece de regulação pública. Mas regular o seu consumo não se
advinha fácil. Não só as redes sociais são monopolizadoras de muito do mundo online,
ganhando disso um enorme poderio económico e político, como ideias concretas
sobre como a regulação deve ser feita são de difícil conceção. É que essa
regulação não terá apenas implicações económicas, mas também políticas, visto
que as redes sociais, ao se tornarem um importante meio de transmissão de
informação, tornaram-se também um importante meio para o exercício de direitos,
como o direito à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa.
Este é um problema irónico. A Humanidade passou a maior da
sua história condicionada pela falta de alimentos, mas hoje lidamos com
problemas de obesidade. Agora que resolvemos o problema do acesso a informação,
temos de evitar de ficar assoberbados dela. Regular as redes sociais poderá
muito bem vir a ser, juntamente com as alterações climatéricas, um dos maiores
desafios deste século.
Paulo Gomes
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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