quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Isto não passa de oferta e procura

    É recorrente ouvirmos falar sobre o aumento dos preços da habitação, do arrendamento e mais recentemente do alojamento local. Esta realidade alastra-se por toda a União Europeia, com rendas a subir a pico e o preço das casas sobrestimado, segundo a Comissão Europeia. Portugal ocupa o sexto lugar de uma tabela com maior sobreavaliação dos preços, tabela essa liderada pelo Luxemburgo. É, também, de salientar que a contínua sobrestimação dos preços das casas não tem acompanhado o aumento dos salários em 21 dos 27 países da União Europeia.

Dado esta conjuntura de mercado, muitas políticas públicas têm sido usadas numa tentativa de encontrar a melhor forma de retificar as irregularidades encontradas, mas, para tal é preciso compreender a forma como se intervém na procura e na oferta deste mercado e quais as consequências das políticas implementadas.

Foquemo-nos no caso português. Se olharmos para o valor mediano dos novos contratos de arrendamento para alojamentos familiares de 100 m², por concelho, vemos as diferenças gritantes entre o interior e o litoral, com um preço médio a rondar os 262€ em Bragança enquanto esse valor ascende aos 526€ em Braga. E se nos aproximarmos das áreas metropolitanas, esse valor atinge os 870€ no Porto, ao passo que em Lisboa chega mesmo aos 1146€.

Olhando para estes números, percebemos logo que isso acontece porque ou a procura é muito superior nas áreas metropolitanas ou a oferta muito escassa ou um conjunto de ambas. Em Lisboa, os preços da habitação têm disparado nestes últimos anos, à exceção do ano passado, devido à pandemia, e há quem atribua parte das responsabilidades deste aumento ao turismo e ao alojamento local, que tem vindo a desfalcar a oferta de habitação permanente em prol de uma maior rendibilidade, dada a facilidade de transformar este tipo de habitação em alojamento local. Paralelamente, o turismo tem vindo a fomentar a criação de emprego e o crescimento económico, o que pode ter levado a um aumento da procura.

Portanto, é normal que políticas públicas que vão contra o aumento da oferta de habitação permanente, dificultem o investimento em habitação para arrendamento permanente e reduzam a sua rendibilidade não façam mais que agravar o problema.

Se, alegadamente, o problema é o aumento do alojamento local, existem duas soluções: reduzir o turismo (procura) ou aumentar a oferta de alojamento local. Sendo a primeira não desejável, a segunda parece ser a mais viável, desde que não se traduza em redução de habitação permanente. Para tal, é possível, por exemplo, pegar-se em habitações devolutas ou quase, recuperá-las e pô-las ao préstimo dos turistas, aumentando assim a oferta e impedindo o aumento do preço do alojamento local e da rendibilidade.

Do seu lado, a Segurança Social já chegou a ajudar na resolução deste problema disponibilizando os seus imóveis no mercado. Para além de se traduzir numa receita para o estado, também ajudou a aumentar a oferta de habitação no mercado. E se for possível alargar os projetos desses imóveis aumentando-lhe o número de andares, melhor.

Mas a forma mais simples de resolver este problema é deixar o mercado operar sem restrições ou com um número reduzido delas no que toca a construção de casas e prédios. A realidade é que este tipo de medidas já vem sendo implementado em Tóquio hã vários anos e, nessa cidade, ao contrário de grandes cidades europeias, por exemplo, os preços da habitação e do arrendamento não dispararam. E se aliarmos isto a excelente rede de transportes, conseguimos perceber como o aumento da procura pode ser acompanhado pelo aumento da oferta, sem que os preços sofram uma grande alteração.

Dito isto, é para mim claro que, se queremos estabilizar os preços apesar do aumento da procura, temos que deixar que o aumento da oferta aconteça e que este aumento seja acompanhado por uma melhoria de toda rede de serviços públicos, como os transportes públicos, por exemplo.

  

Mickaël Cruz

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

Sem comentários: