A luta estudantil para
acabar com as propinas já é velha e conhecida por todos. Ao longo dos anos, têm-se
vindo a insurgir vários movimentos académicos. “Propina Zero” é o mote para
acabar com as propinas ainda que o mesmo esteja longe de acontecer, contudo os seus
montantes têm vindo a diminuir.
O constitucionalista
Bacelar Gouveia afirma em relação à educação que o ensino básico e o ensino
secundário são gratuitos e deve introduzir-se progressivamente a gratuitidade
no ensino superior, logo, a aplicação de taxas "é inconstitucional". Como
está previsto na Constituição, no artigo 74.º, todos os graus de ensino devem
prosseguir rumo à gratuitidade, apesar de existir uma exceção no que diz
respeito ao ensino superior, uma vez que este não é obrigatório nem universal.
É importante compreender
que um pouco por toda a Europa ocorreu um processo de democratização do ensino
baseado num modelo de organização social e educativa que fosse capaz de
promover a igualdade de oportunidades de todos os indivíduos no acesso ao
ensino superior assentando no pressuposto de que o ensino superior é essencial
para o desenvolvimento e crescimento de um país. Como exemplo, “Propina Zero” é
já uma realidade em alguns países dentro da Europa, como Áustria, Finlândia,
República Checa ou Alemanha.
A revista online Ekonomista, que divulga dados e informações pertinentes
acerca de assuntos económicos e financeiros nacionais, apresenta em 2021 uma
notícia citando um estudo realizado em 2015/2016 indicando que o custo de um
estudante deverá rondar os 21 mil euros, num curso de 3 anos, ou seja, 7 mil
euros anuais, em termos mensais um valor próximo dos 600 euros. Desse valor, cerca
de 75% destina-se apenas às despesas de alojamento, transporte e alimentação,
contrastando com o máximo cobrável numa instituição superior pública, que
atualmente não pode exceder os 697 euros.
Desde que há registo, a
propina anual era equivalente a cerca de 6 euros, até que surgiu a primeira lei
de propinas em 1992, durante a segunda maioria absoluta do então primeiro
ministro Cavaco Silva, que classificava o sistema de propinas que vigorava
nessa altura como “injustiça escandalosa”. A primeira "Lei das
Propinas" estipulava que o seu montante anual cobrável deveria ser
definido pelas próprias Instituições de Ensino Superior, o que levou a que no
ano letivo seguinte a propina anual aumentasse para 399 euros. Este valor tem
vindo a oscilar, seguindo uma tendência média crescente até 2019, ano a partir
do qual os ditos valores têm vindo a descer. Em 2019, o valor estava indexado
ao salário mínimo nacional mensal, pelo que se cobrava anualmente 1,3 vezes o salário
mínimo mensal. Desta forma, o valor máximo cobrável numa universidade era de
871 euros, baixando 20% em 2020 e mantendo-se em igual valor em 2021.
Ainda assim, por forma a
ajudar os estudantes a prosseguirem estudos superiores, são atribuídas bolsas
de estudo visando fazer face às despesas associadas à sua frequência,
permitindo-se assim atenuar a discriminação económica. Assim, deverá pensar-se
antes no conjunto de necessidades que existem à volta da frequência deste
ensino como, por exemplo, residências estudantis, refeitórios, material
escolar, etc.. Sendo a habitação talvez a rubrica com maior peso na despesa,
como se verifica na tabela a seguir apresentada, a existência de bolsas tem
vindo a permitir a existência de uma maior deslocação a nível da região em que
se habita e se estuda.
Comparando com o contexto europeu, o peso das despesas de educação no PIB per capita e na mediana do rendimento dos países coloca os estudantes portugueses entre aqueles que realizam um maior esforço financeiro para estudar, permitindo afirmar sem margem de dúvida que a acessibilidade financeira dos estudantes portugueses é desfavorável no contexto internacional. É de salientar que, além da descida do valor das propinas, o valor mínimo da bolsa subiu e alargou-se o limiar de elegibilidade para ter acesso a este apoio.
Podemos assim destacar
que, em termos gerais, o grau de equidade do Sistema de Ensino Superior
Português, aferindo-se a representação de cada grupo social a estudar no ensino
superior, é ainda baixo, evidenciando-se um perfil ainda de ensino elitista.
Desta forma, para acabar com tal desigualdade deverão ser implementadas e
reforçadas políticas públicas, sendo que Portugal é dos países europeus que
menos recursos públicos investe nas instituições de ensino superior.
No que a mim diz respeito,
não sou apologista da gratuitidade do ensino superior, já que, se assim for,
teria de ser financiado pelos impostos de toda a população, mesmo por aqueles
que não frequentam ou não têm familiares a frequentar o mesmo, deixando de
existir a lógica de “utilizador-pagador”. Digo isto, apesar de compreender a
lógica subjacente ao movimento já que o acesso a este ensino é um benefício
para o desenvolvimento e crescimento do país.
Para a melhor compreensão
da questão, recomenda-se a leitura atenta do documento divulgado pela Fundação
Francisco Manuel Dos Santos, “Droga e propinas, Avaliações de impacto
legislativo” e ainda “Custos dos Estudantes do Ensino Superior Português, Relatório
CESTES2, para a compreensão da condição social e económica dos estudantes do
ensino superior”.
Hélder Domingues
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