No nosso país, principalmente quando se discute uma possível
subida do salário mínimo, emerge sempre uma espécie de dogma: os salários não
podem subir sob pena de perdermos competitividade externa e de aumentarmos o
desemprego. A justificação mais vezes apontada é a de que a produtividade do
trabalhador português torna o aumento dos salários proibitivo.
De facto, quando olhamos para a
remuneração e produtividade do trabalhador português, e comparamos esses
valores com a média europeia, verifica-se, sobretudo a partir de 2008, que a
crescente divergência das remunerações tem sido acompanhada por uma também
crescente divergência da produtividade do trabalho.
Acontece que, se os nossos baixos salários são um fator de
competitividade externa, a verdade é que foram poucos os frutos dessa suposta
competitividade. No gráfico abaixo, podemos ver o peso das exportações
portuguesas a baixar no contexto europeu entre 1995 e 2020; ou seja, mesmo com
salários cada vez mais baixos relativamente ao resto da Europa, Portugal esteve
longe de se tornar numa potência exportadora no continente.
Além disso, se a competitividade devida aos salários baixos é
duvidosa, a ideia de que os mesmos protegem a economia do desemprego é
igualmente complicada. No gráfico seguinte, pode ver-se que a referida
divergência de salários foi também acompanhada com uma divergência nas taxas de
desemprego, mas com Portugal a ultrapassar a UE.
Os valores da emigração não surpreendem: quando os
portugueses perdem os seus trabalhos mal pagos emigram e daí a forte correlação
entre a taxa de desemprego e a emigração. Mas, sendo assim, atrevo-me a
perguntar: qual é mais-valia da mão-de-obra barata se, à vinda de uma crise,
não a conseguimos reter? Terá sido a emigração a verdadeira solução para o
desemprego e não a manutenção de salários baixos? Mais: num país onde muito se
fala do envelhecimento populacional e da sustentabilidade da segurança social,
será que podemos conviver com estes números de emigrantes? Considero, pois, que
deveríamos pensar seriamente em como tornar Portugal num país atrativo, pelo
menos para os portugueses. Ter salários mais altos seria um óbvio bom começo.
Por fim, há um aspeto de justiça distributiva. Entre 2010 e
2017, a grande maioria dos países da UE registou uma diminuição do peso dos
salários na composição do PIB. Portugal não foi diferente e destacou-se com a
quarta maior queda.
Não quero com este texto defender uma subida de salários
devida exclusivamente a mudanças do valor do salário mínimo, como também não
quero ignorar a necessária relação entre produtividade e salário. Contudo, perante
estes dados, é difícil não concluir pela invalidade do dogma apresentado no
início: salários baixos não fizeram Portugal mais competitivo e também não
impediram elevadas taxa de desemprego.
O propósito deste texto é sim o de chamar a atenção para
outras narrativas. O aumento do salário pode trazer ganhos de produtividade:
aumenta o empenho e diminui as faltas dos trabalhadores; elimina empresas com
processos pouco produtivos, o que liberta recursos para outras empresas com uma
mais eficiente afetação de recursos; e, por fim, ficando o trabalho mais caro,
as empresas vão ter de enfrentar os riscos associados a ter uma produção mais capital
intensive, isto é, vão ter que arriscar e investir para fazer o trabalhador
mais produtivo, em vez de dependerem de salários baixos.
Este último ponto implicaria uma séria mudança de atitudes
por parte de muitos governantes e empresários. O debate gira quase sempre à
volta de medidas paliativas com o intuito de garantir a sobrevivência das
empresas, caindo a maior parte dos custos sobre os trabalhadores, ao passo que
subsistem vários problemas de fundo, como, por exemplo, a reduzida capacidade
de gestão e organização das empresas devida aos empresários e gestores. Penso,
por isso, haver uma certa falta de coragem e imaginação por parte de quem
lidera, o que nos tem levado ao persistente recurso a soluções reveladoras de
pouca visão de longo-prazo. Os resultados são já visíveis, principalmente
quando comparamos Portugal com alguns países do leste europeu.
Paulo Gomes
Fonte dos dados: Pordata
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