Ao
longo dos últimos 150 anos, a classe trabalhadora manteve uma relação ambígua
com as tecnologias, vendo-as tanto como uma ameaça aos postos de trabalho como
um apoio às tarefas laborais mais duras. Atualmente, o medo em relação ao
desenvolvimento tecnológico tem vindo a acentuar-se, visto que o crescimento da
automação e inteligência artificial põe em causa os empregos da classe média. Estas
perspetivas para o futuro levantam a seguinte questão: será que o progresso tem
de ser socialmente destrutivo?
A
revolução tecnológica tem eliminado a necessidade da intervenção humana em
profissões típicas da classe média, como técnicos, gestores, auditores,
secretárias e até mesmo médicos e engenheiros. As transformações em diversas
áreas de atividade obrigaram muitos profissionais a migrar para atividades de
menor qualificação, associadas a remunerações também inferiores, verificando-se
um fenómeno de mobilidade social descendente.
Contudo,
para os trabalhadores com mais qualificações, pode afirmar-se que para alguns a
inovação tem sido benéfica, já que os deslocou para um patamar com salários
mais altos. O problema é que estes casos estão em minoria face aos descritos no
parágrafo acima. Na realidade, a crescente terciarização da economia, acompanhada
pela globalização e desenvolvimento tecnológico, têm gerado a polarização do
emprego, assim como um aumento do fosso entre os ricos e os pobres.
Para
a maioria da classe média, as condições laborais têm piorado, estando-se a
adotar um padrão de trabalho instável, precário e com menor retribuição
financeira, onde o poder negocial e organizacional da classe trabalhadora é
cada vez menor (apesar da produtividade ter aumentado). Este conjunto de
circunstâncias tem contribuído para um declínio deste grupo social, tendo-se
verificado, segundo relatórios da OCDE, uma diminuição nas últimas três décadas
da proporção de famílias desta camada de 64% para 61%. Em Portugal, observou-se
ainda em 2019 que cerca de 69% dos agregados da classe média têm fraca
capacidade perante despesas inesperadas, constatando-se que 23,8% das famílias
portuguesas estavam sobre-endividadas.
Tendo
em consideração este contexto, e sabendo que a classe média é mais propensa a
consumir perante aumentos no rendimento disponível que a classe mais rica, é
importante não deixar este grupo vulnerável, pois uma redução do consumo pode
refletir-se numa menor produção, consequente aumento do desemprego e, por sua
vez, diminuição da receita fiscal. Uma dinâmica económica que implique o
“estrangulamento” desta classe faz crescer o recurso ao crédito imediato, mesmo
que não haja capacidade de pagar futura, pondo em causa a estabilidade do
sistema financeiro.
A nível social e político, uma classe média enfraquecida favorece situações de criminalidade e desigualdade, abrindo caminho para a ascensão de governantes populistas, que abalam o sistema democrático.
Apesar
da generalidade das discussões ir ao encontro do exposto acima, alguns estudos
recentes sobre o impacte das tecnologias no mercado de trabalho revelam
que a destruição de empregos pode não ser tão catastrófica quanto se esperava,
já que, em 2019, países intensivos em tecnologia apresentavam baixas taxas
de desemprego - Alemanha (3%), Coreia do Sul (3%), Japão (2,2%)).
De
um ponto de vista pessoal, acredito na perspetiva pessimista, considerando
fundamental para um futuro de qualidade: o investimento na qualificação e
formação dos indivíduos; uma estreita regulação do trabalho; execução de políticas
fiscais e públicas dirigidas à classe média; cautela na utilização da inteligência
artificial; legislar o mundo digital; e, se necessário, mediante investigação
sólida, implementar um rendimento básico universal.
Em
suma, num presente em transformação é importante continuar a procurar soluções
para os desafios sociais e económicos resultantes do desenvolvimento
tecnológico, mesmo que as previsões nem sempre sejam positivas. Afinal, nunca
se sabe o que o futuro nos reserva.
Marta
Pereira
[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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