A situação pandêmica vivida nos últimos dois anos foi marcada por largos períodos de confinamento, onde o teletrabalho e a maior vivência na habitação serviram de alerta para as fragilidades existentes no setor imobiliário. Com a tendência mundial para o crescimento dos preços no mercado imobiliário, a habitação tem-se tornado um problema central em praticamente todos os países ocidentais.
Para Portugal, esta problemática não é recente, pelo contrário: a situação
da habitação no nosso país é a de uma crise estrutural, que não tem paralelo
nos restantes estados-membros da UE. Desde 2013 que se verifica um crescimento
anual no preço da habitação, que não tem sido acompanhado por aumentos
equiparáveis no salário e que têm levado à deterioração da qualidade de vida
dos portugueses. Face a esta realidade, a partir de 2013 tem-se observado o
movimento de “êxodo urbano para a periferia” (Observador, 2020) consequência do
aumento exorbitante das rendas e perda de habitação de muitas famílias para
alojamento local.
Em 2021, contrariamente ao previsto, não houve correção dos preços no
mercado imobiliário. O Índice de Preços da Habitação (IPHab), no 2º trimestre
de 2021, cresceu 6,6% em termos homólogos e 1,4 p.p. acima do observado no
trimestre anterior (INE). O que está por detrás da subida do preço das casas?
O FMI aponta as medidas de estímulo impostas pelo BCE como a principal
causa do aumento do preço da habitação, dado que estas têm mantido as taxas de
juro reduzidas. Através dos dados recolhidos pelo INE, é possível observar que
as taxas de juro de depósitos a prazo (0,11%), dos depósitos à ordem (0,01%) e
de crédito à habitação (1%) são historicamente baixas, pelo que os agentes
económicos com capacidades para investir preferem converter as suas poupanças
em imobiliário, em alternativa aos depósitos. Adicionalmente, também o
incremento da poupança privada foi um dos principais fatores do aumento da
procura no mercado imobiliário.
O aumento da procura de habitação contrasta com uma oferta estruturalmente
escassa, no caso português, que foi agravada com moratórias de crédito. Estas
permaneceram em vigor até setembro deste ano, fazendo com que muitos ativos
imobiliários se mantivessem fora do mercado.
Acredito que face a este desequilíbrio entre a procura e oferta no mercado
imobiliário, os mercados têm sempre mecanismos autorreguladores e que, sem
intervenção do Estado, estes seriam capazes de voltar ao equilíbrio. Contudo,
pelo facto deste desequilíbrio no mercado não ser apenas uma flutuação
momentânea mas, pelo contrário, uma situação de crise estrutural, o Estado tem
o dever de regular e impor medidas que possibilitem o melhor funcionamento do mercado.
A pandemia, mais do que alterar a realidade, veio evidenciar a urgência da
resposta pública e, no que respeita à habitação, não restam dúvidas de que o
Estado português tem estado muito ausente.
Conforme o Comité Europeu dos Direitos Sociais, a oferta pública portuguesa
tem estado muito abaixo das médias europeias - o parque habitacional público
representa apenas 2% do parque habitacional existente. Este valor, para mim,
mostra uma ausência completa de intervenção estatal, mas ainda se torna mais
grave quando comparado com alguns dos nossos parceiros europeus onde o parque
habitacional público é de 30% na Holanda, 24% na Áustria, 20% na Dinamarca, e
19% na Suécia.
Em suma, para mim, esta contínua subida dos preços no mercado imobiliário
não resultou apenas do jogo da oferta e da procura, mas também da falta de
respostas dos governos na última década. Na minha opinião, perante as ajudas
que podem vir do Plano de Recuperação e Resiliência, assim como dos fundos
estruturais, é urgente uma resposta a esta problemática através de instrumentos
de promoção de investimento público neste setor, tais como o incremento do
parque habitacional e a construção de uma nova geração de políticas de
habitação, para que seja possível mudar o panorama atual.
Beatriz Machado
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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