segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Na Catalunha, prende-se quem quer votar. Em Portugal, vota-se em quem já esteve preso

No passado dia 1 de outubro, realizaram-se as eleições autárquicas em Portugal. De todos os candidatos vencedores, destaca-se um candidato, no mínimo caricato, de nome Isaltino Morais.
Nascido a 1949 em Mirandela, Isaltino licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa em 1981, e teve um vasto percurso a nível empresarial e político. Foi eleito Presidente da Câmara de Oeiras em 1985, tendo sido depois reeleito nos mandatos de 1989 a 2001, pelo PSD. Em 2005, desmembrou-se deste partido, tendo vencido as eleições desse ano como candidato independente, repetindo-o em 2009. Chegou ainda a Ministro das Cidades, Ordenamento e Ambiente, em 2002.
No entanto, este percurso não se revelou linear. Quando em 2003 se viu obrigado a abandonar o ministério que tinha a seu cargo, por suspeitas de que detinha contas bancárias não declaradas na Suíça e na Bélgica, deu-se então uma investigação levada a cabo pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal, processo que só findou em abril de 2013 Nessa altura, foi condenado por crimes de fraude, abuso de poder, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito. O tribunal considerou então que o autarca utilizou os cargos políticos exercidos para auferir benefícios económicos entre 1990 e 2003. Cumpriu uma pena de prisão de 14 meses, saindo em liberdade em junho de 2014.
Em 2017, candidata-se à presidência do seu município, Oeiras, tendo vencido com maioria absoluta, o que me leva à presente reflexão. Que razões ou caraterísticas Isaltino tem que pesem mais que os crimes cometidos pelo mesmo?
Enquanto exerceu as funções acima, revelou-se um bom presidente e contribuiu em grande escala para o crescimento do município que representou, o que fez com que a população tenha ganho apreço por ele. Tal como o próprio afirmou, “o poder não é a cadeira mas a capacidade para ouvir as pessoas”. Isaltino mostrou-se assim um presidente recetivo e acessível, disposto a lutar sempre pelos interesses dos “oeirenses”, pelo menos de forma aparente.
A meu ver, terá sido esta a razão principal que o levou ao poder outra vez. Para mim, fica provado que a população possui memória curta, ou então acredita em segundas oportunidades. É verdade que é apenas e só ao sistema judicial que compete julgar. A partir do cumprimento da pena, é razoável a reintegração dos condenados na sociedade. Fica então provado que a sociedade acredita nisto. Não só permite, mas promove-o, encerrando assim este degradante capítulo a que Isaltino esteve associado, levando-o a presidente de novo.
Outra questão se levanta: até que ponto é permitida a candidatura a cargos políticos de um indivíduo com registo criminal associado às próprias funções a que se candidata? Não levará tal à penúria o nosso sistema político? Frequentemente, ouço política e corrupção serem associados de uma forma muito complementar. Não será este um fator que promove a descredibilização da política no nosso país? Na Catalunha, prende-se quem quer votar. Em Portugal, vota-se em quem já esteve preso.

Ana Isabel Fernandes Oliveira

Referências bibliográficas:

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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