segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Tempo de mudanças na ADSE

        Em Portugal, os funcionários e aposentados da Administração Pública encontram-se ao abrigo de um sistema de acesso a cuidados de saúde (ADSE), em que o beneficiário pode recorrer a médicos e entidades não integrados no SNS com os quais esta rede tem acordos, mediante um contrato/convenção. Os prestadores cobram o valor correspondente ao encargo do beneficiário, definido na respetiva Tabela Regime Convencionado.
         Num país onde a Função Pública representa cerca de 17,9% da população ativa, segundo o Eurostat, é perfeitamente discutível a sustentabilidade de um sistema de saúde no qual o beneficiário titular (existem outros beneficiários: familiares e equiparados) deduz 3,5% do seu rendimento base. Por isto, o que se encontra em proposta, de acordo com o Público, é uma nova tabela de preços a vigorar a partir de 1 de janeiro de 2018, na qual se sugere o aumento dos encargos dos beneficiários entre 25% e 43%, em resultado de atualizações que não eram efetuadas em certas especialidades há 18 anos.
Apesar das intenções de efetivar aumentos de preços na ADSE, o que poderia revelar alguma insustentabilidade do sistema, no início de outubro a direção do organismo revelou um alargamento previsível do universo de beneficiários para trabalhadores com contrato individual com entidades públicas e aos familiares dos funcionários e aposentados, que neste momento não usufruem do sistema.
         A decisão depende do parecer dos membros do Conselho Geral e de Supervisão (representantes dos sindicatos e dos beneficiários) do instituto que gere a ADSE. Existem várias objeções que se levantam caso o parecer seja favorável ou seja rejeitado. Por um lado, se estes aumentos se concretizarem é evidente que os usufruidores do sistema vão despender uma parte maior do seu rendimento em cuidados de saúde, uma vez que, por exemplo, as consultas de medicina geral vão aumentar 1,51 euros, cerca de 38,5%, e no que diz respeito às consultas de especialidade o aumento será de 25%. Por outro lado, a medida poderá ser chumbada, mas as entidades de saúde que têm acordo com o organismo poderão discriminar os beneficiários ao acesso, pois possuem total interesse em que estes aumentos se realizem.
        O facto de o pagamento efetuado pelo utente à instituição de saúde ser baixo, cerca de 3,99 euros no caso da medicina geral, e o restante pagamento por parte da ADSE ser demasiado moroso, o que muitas vezes acontece, é que os prestadores de saúde têm pouco interesse em servir esta camada da população.
         Perspetivado o assunto do lado dos cidadãos que não se encontram abrangidos por esta espécie de seguro de saúde cofinanciado pelo Estado português, tal poderá ser curioso e até suscitar algumas questões: será justo aceder ao privado por um valor baixo? Será que a contribuição paga pela taxa sobre a remuneração cobre a totalidade das despesas? Não existirá uma sobre-exploração do sistema através de sobrefaturação fraudulenta? Não é expectável que o Estado não pratique a exclusão na providencia de serviços? No meu entender, existe legitimidade para explorar estes assuntos, uma vez que a ADSE é um organismo que poderá contribuir para as despesas do Governo que são pagas com os impostos de todos os contribuintes, sejam trabalhadores do setor público ou privado.
         Concluo assim que as mudanças previstas para esta corporação pública são necessárias, mais para tentar colmatar os interesses que existem por parte dos prestadores de cuidados de saúde. A implementação de um sistema de escalões, como acontece no caso do IRS, poderá resolver desigualdades que possam estar a ocorrer na parte das contribuições diretas e conseguirá garantir a prevalência da ADSE.

Joana Isabel Pereira Amorim

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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