“Abstenção é o ato de se negar ou se eximir de fazer opções políticas.”
Quase
todos os anos, em Portugal, ouvimos falar em abstenção. Desde os primeiros anos
de democracia que temos observado um declínio na participação nas eleições, que
atualmente atinge os valores mais baixos de sempre.
Em
2011, as eleições para a Presidência da República apresentaram uma taxa de
abstenção recorde de 53,48%, que diminuiu ligeiramente em 2016, mas mais do que
duplicou desde 1976. No caso das eleições para a Assembleia da República, em
1975, foi registada uma taxa de abstenção de 8,5%, um valor admirável quando
comparado com os 51,4% de 2019. No gráfico, podemos observar a percentagem de
eleitores que se abstém nas eleições legislativas desde 1975 e verificar a
trajetória crescente da mesma.
Estes valores não são de
todo novidade para nós, até porque além de serem notícia em todos os anos
eleitorais, com certeza todos conhecemos pessoas que não se deslocam às urnas
em dias de eleição. As razões para se absterem são múltiplas: seja porque são
pessoas indiferentes relativamente à política; seja porque não se identificam
com os diferentes partidos ou com o sistema em si e manifestam o seu
descontentamento dessa forma; ou, ainda, porque acham que “nada vai mudar”.
Em 1975, conquistamos a
liberdade que nos trouxe com ela muitos direitos, entre eles o direito ao voto.
Por um lado, a vontade de usufruir da mesma e de exercer esse direito, depois
de tantos anos submissos ao poder, ditaram a enorme taxa de participação nas
eleições daquele ano. Por outro lado, a perda de confiança no sistema político
e outras razões já referidas acima explicam a crescente abstenção que se tem
verificado.
Segundo um estudo realizado
por professores e investigadores universitários no decorrer do “Portugal Talks”,
as taxas de participação nas eleições são mais elevadas nos grandes centros
urbanos do que nas áreas menos povoadas (com exceção das eleições para as
autarquias locais) e verifica-se uma maior tendência para a abstenção entre os
mais jovens e a população com idades entre os 30 e os 44 anos.
Será que os jovens são,
por natureza, desinteressados pela política ou será que o próprio sistema e a
forma como a política é ignorada na educação provocaram esse mesmo
desinteresse? Os jovens passam, pelo menos, 12 anos na escola e nada lhes é
ensinado sobre política e como ela influencia o rumo do país, da sociedade e da
economia. Naturalmente, os jovens interessam-se e movimentam-se por assuntos
que conhecem, dos quais têm informação e cuja importância é reconhecida. Assim
sendo, se este continua a ser um assunto desvalorizado pela maioria da
população e o governo não age para mudar essa trajetória, então a abstenção e,
mais importante, a ignorância política permanecerão e continuarão a crescer.
A possibilidade de
escolher e votar é, sim, um direito. Portanto, a possibilidade de se abster, de
não escolher ou escolher não votar também o é e integra os valores pelos quais
lutamos há 46 anos atrás. Contudo, a abstenção aos níveis em que se encontra é
efetivamente um problema que deve ser resolvido, mas será necessário tornar
este direito num dever?
A
obrigatoriedade do voto tem sido a possível resolução mais apontada para combater eficazmente a abstenção, mas será realmente uma
solução? A imposição desse dever combateria com
certeza a abstenção nos moldes em que falamos, mas não acabaria com os votos
nulos ou brancos nem, muito menos, com a principal causa da abstenção, que é a insatisfação
com a política ou o seu desconhecimento.
Assim, do meu
ponto de vista, devem ser procuradas medidas que incentivem e facilitem a
participação nas eleições ao invés de uma medida “fácil” que a torne obrigatória.
Há várias soluções possíveis que podem ajudar a conter a abstenção, sendo que
algumas até já foram adotadas por alguns países. Entre estas, incluem-se: a
expansão do número de dias da eleição; a realização de diferentes eleições em
simultâneo; intervenções junto dos mais jovens; possibilidade de votar online ou de votar
antecipadamente; e apostar de mobilidade que permita ao eleitor votar em qualquer mesa
do círculo eleitoral. Além disso, poderia também incentivar-se ao voto através
de um prémio na forma de incentivo fiscal em ano de eleições ou até dar voz aos
votos em branco (respeitando o número mínimo de 180 deputados).
Termino
afirmando que não concordo com a obrigatoriedade do voto: para mim, escolher
não escolher é uma decisão completamente legítima e não é errada. No entanto,
devem ser tomadas medidas urgentes para amenizar a abstenção, encontrar formas
de informar fidedignamente a população (principalmente os mais jovens) no que
diz respeito à política e promover a sua importância.
Bruna Ferreira
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]