Nada fazia prever uma crise sanitária com a gravidade e abrangência geográfica da COVID-19 e a recessão económica que se sucede, mudando completamente o rumo do mundo e envolvendo-o num manto de incerteza. O planeta, nos últimos meses, funcionou a conta-gotas. Ruas ficaram desertas, voos não levantaram, aglomerações foram proibidas, escolas e empresas fecharam, o teletrabalho passou a ser ordem e o confinamento tornou-se numa realidade asfixiante.
Porém, embora o custo deste benefício seja terrível, a SARS-COV-2 está a ter efeitos colaterais positivos no ambiente, pois trouxe uma momentânea redução da poluição e da emissão de gases com efeito de estufa, o que proporcionou uma melhoria da qualidade do ar.
O estudo Temporary reduction in daily global - emissions during the COVID-19 forced confinement analisou o impacte das medidas de confinamento impostas por diferentes países na variação de 7 setores – energia, indústria, transportes, edifícios públicos, comércio, residências e aviação. Com base nos dados desde 1 de janeiro a 30 de abril de 69 países responsáveis por 97% das emissões globais de, e em comparação com o período homólogo, concluiu-se que a quebra global chegou a ser 17%, no pico das medidas de confinamento, e as emissões caíram “para níveis só vistos em 2006”. Neste contexto, o setor que mais contribuiu para esta redução foi o transporte rodoviário, seguindo-se da travagem abrupta na indústria e no consumo de energia. Já o setor de aviação, embora tenha sido o mais afetado pelo confinamento, foi responsável pela diminuição de 10% das emissões. Não obstante, era expectável o aumento das mesmas procedente das residências, ainda que o valor tenha sido “marginal” e sem influência significativa.
De facto, este ano, prevê-se uma redução de 0,005ºC a 0,01ºC na temperatura do planeta e uma queda entre 4% e 7% nas emissões globais, dependendo da duração das medidas de confinamento e do ritmo da recuperação económica. Efetivamente, esta exceção é comparável à redução de emissões anuais necessária durante as próximas décadas para se alcançar a meta de limitar o aquecimento até ao fim do século definida no Acordo de Paris.
Mas será que vai durar? Infelizmente, creio que não! Trata-se apenas de um “intervalo” na crise climática que não terá impacte a longo prazo, pois não é uma política sustentada e estrutural. E tal como declara Oksana Tarasova, responsável pelo departamento de investigação de Ambiente Atmosférico da Organização Meteorológica Mundial, “não são as emissões anuais que determinam os níveis, é toda a acumulação de CO2 na atmosfera desde o período pré-industrial que realmente forma o nível atual”.
Para além disso, os ambientalistas já questionam se realmente a pandemia não representará um passo atrás em tudo o que foi conquistado até ao momento, na medida em que como consequência da luta contra o vírus advieram múltiplos problemas. Por um lado, desde o início do desconfinamento, é possível observar um novo tipo de poluição “nunca antes vista” nos oceanos, que decorre do descartamento indevido do equipamento de proteção individual contra a Covid-19. Por outro lado, evidencia-se como norma que, após períodos de crise, existe um forte estímulo por parte dos governos no sentido de acelerar a recuperação económica. Desta forma, receia-se que o ambiente deixe de constituir uma prioridade para os governantes no momento de alinhavarem e implementarem planos de recuperação, ideia corroborada por Francisco Ferreira, presidente da Zero, “A Covid-19 pode atrasar, enfraquecer ou mesmo fazer retroceder medidas fundamentais para a sustentabilidade”, pois o “dinheiro disponível para os apoios está a ser direcionado para atividades intensivas em termos de emissões de carbono e insustentáveis, sem qualquer reflexão ou sem contrapartidas ambientais”. É ainda de salientar o adiamento de reuniões internacionais, como a Conferência sobre o Clima, reforçando assim a visão de que o ambiente ficou para segundo plano dada a emergência no combate à pandemia.
A meu ver, é imperativo aplanar as curvas da pandemia e das alterações climáticas conjuntamente, pois embora a COVID-19 esteja a provocar uma grave crise económica e sanitária a nível mundial, se não se combaterem as alterações climáticas, a saúde do Homem, dos ecossistemas e das economias estará ameaçada durante séculos.
Acredito que o desafio está em não cometer os erros do passado e olhar para a COVID-19 como uma oportunidade de refletir sobre a nossa relação insustentável com o ambiente, e de aproveitarmos para reconstruir as nossas economias de forma mais ecológica, criando sistemas globais resilientes e gerar um futuro saudável e sustentável para todos.
Ana Sofia Prelado Diogo
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia da EEG/UMinho]
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