domingo, 29 de novembro de 2020

Abstenção: escolher não escolher

                   “Abstenção é o ato de se negar ou se eximir de fazer opções políticas.”

          Quase todos os anos, em Portugal, ouvimos falar em abstenção. Desde os primeiros anos de democracia que temos observado um declínio na participação nas eleições, que atualmente atinge os valores mais baixos de sempre.

          Em 2011, as eleições para a Presidência da República apresentaram uma taxa de abstenção recorde de 53,48%, que diminuiu ligeiramente em 2016, mas mais do que duplicou desde 1976. No caso das eleições para a Assembleia da República, em 1975, foi registada uma taxa de abstenção de 8,5%, um valor admirável quando comparado com os 51,4% de 2019. No gráfico, podemos observar a percentagem de eleitores que se abstém nas eleições legislativas desde 1975 e verificar a trajetória crescente da mesma.


          Estes valores não são de todo novidade para nós, até porque além de serem notícia em todos os anos eleitorais, com certeza todos conhecemos pessoas que não se deslocam às urnas em dias de eleição. As razões para se absterem são múltiplas: seja porque são pessoas indiferentes relativamente à política; seja porque não se identificam com os diferentes partidos ou com o sistema em si e manifestam o seu descontentamento dessa forma; ou, ainda, porque acham que “nada vai mudar”.

          Em 1975, conquistamos a liberdade que nos trouxe com ela muitos direitos, entre eles o direito ao voto. Por um lado, a vontade de usufruir da mesma e de exercer esse direito, depois de tantos anos submissos ao poder, ditaram a enorme taxa de participação nas eleições daquele ano. Por outro lado, a perda de confiança no sistema político e outras razões já referidas acima explicam a crescente abstenção que se tem verificado.

          Segundo um estudo realizado por professores e investigadores universitários no decorrer do “Portugal Talks”, as taxas de participação nas eleições são mais elevadas nos grandes centros urbanos do que nas áreas menos povoadas (com exceção das eleições para as autarquias locais) e verifica-se uma maior tendência para a abstenção entre os mais jovens e a população com idades entre os 30 e os 44 anos.

          Será que os jovens são, por natureza, desinteressados pela política ou será que o próprio sistema e a forma como a política é ignorada na educação provocaram esse mesmo desinteresse? Os jovens passam, pelo menos, 12 anos na escola e nada lhes é ensinado sobre política e como ela influencia o rumo do país, da sociedade e da economia. Naturalmente, os jovens interessam-se e movimentam-se por assuntos que conhecem, dos quais têm informação e cuja importância é reconhecida. Assim sendo, se este continua a ser um assunto desvalorizado pela maioria da população e o governo não age para mudar essa trajetória, então a abstenção e, mais importante, a ignorância política permanecerão e continuarão a crescer.

          A possibilidade de escolher e votar é, sim, um direito. Portanto, a possibilidade de se abster, de não escolher ou escolher não votar também o é e integra os valores pelos quais lutamos há 46 anos atrás. Contudo, a abstenção aos níveis em que se encontra é efetivamente um problema que deve ser resolvido, mas será necessário tornar este direito num dever?

          A obrigatoriedade do voto tem sido a possível resolução mais apontada para combater eficazmente a abstenção, mas será realmente uma solução? A imposição desse dever combateria com certeza a abstenção nos moldes em que falamos, mas não acabaria com os votos nulos ou brancos nem, muito menos, com a principal causa da abstenção, que é a insatisfação com a política ou o seu desconhecimento.

          Assim, do meu ponto de vista, devem ser procuradas medidas que incentivem e facilitem a participação nas eleições ao invés de uma medida “fácil” que a torne obrigatória. Há várias soluções possíveis que podem ajudar a conter a abstenção, sendo que algumas até já foram adotadas por alguns países. Entre estas, incluem-se: a expansão do número de dias da eleição; a realização de diferentes eleições em simultâneo; intervenções junto dos mais jovens; possibilidade de votar online ou de votar antecipadamente; e apostar de mobilidade que permita ao eleitor votar em qualquer mesa do círculo eleitoral. Além disso, poderia também incentivar-se ao voto através de um prémio na forma de incentivo fiscal em ano de eleições ou até dar voz aos votos em branco (respeitando o número mínimo de 180 deputados).

          Termino afirmando que não concordo com a obrigatoriedade do voto: para mim, escolher não escolher é uma decisão completamente legítima e não é errada. No entanto, devem ser tomadas medidas urgentes para amenizar a abstenção, encontrar formas de informar fidedignamente a população (principalmente os mais jovens) no que diz respeito à política e promover a sua importância.

 

Bruna Ferreira

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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