Este ano, a Comissão Europeu publicou o estudo designado “Relatório de qualidade de vida nas cidades europeias”, onde analisa a satisfação dos habitantes de 87 cidades em relação a tópicos como segurança, mobilidade, emprego, cultura, saúde e espaços verdes, qualidade do ar e satisfação com a administração.
As duas cidades
portuguesas incluídas neste estudo foram Lisboa e Braga. A segunda acabou por
se destacar, quer pela positiva, quer pela negativa. Ao mesmo tempo que era
eleita como a quinta cidade “mais feliz” da Europa, também foi referida como
sendo aquela em que o uso de carro tinha maior peso na mobilidade urbana (Policy, 2020). O estudo também
conclui que a qualidade de vida em Braga aumentou em 56% nos últimos 5 anos
(décimo maior aumento).
Fonte: “Relatório de Qualidade de vida nas cidades europeias”
Seria
justo dizer que o grande uso do automóvel não tem um impacte negativo direto na
qualidade de vida e que cidades mais pequenas usam sempre mais este meio de transporte,
mas, por outro lado, este dado costuma estar ligado à falta de transportes
públicos e ou à falta de outros planos de mobilidade. De facto, Braga ficou em
sétimo na lista de cidades que menos usa transportes públicos (29%): mais de um
terço não se encontra satisfeita com a oferta atual, e apenas cerca de 13% usa
a bicicleta para se deslocar (Policy, 2020).
O
que podemos aprender com as outras cidades? Não podemos ignorar a relação entre
o nível de desenvolvimento da cidade e a sua qualidade de mobilidade: cidades
como Copenhaga ou Amesterdão parecem ser os sítios onde as pessoas mais optam
pela bicicleta, em vez do carro.
O
difícil acesso ao centro de carro, largos investimentos em ciclovias, diminuir
parques de estacionamento de carros e até subsídios para o uso de bicicleta estimulou
muito o crescimento deste meio de transporte nas últimas décadas (Schweighöfer, 2019).
Nas
grandes metrópoles como Londres e Paris, a bicicleta não é tão popular devido
às grandes distâncias, mas são os maiores utilizadores de transportes públicos:
59 e 58%, respetivamente.
O
estudo da Comissão Europeia mostra a satisfação das pessoas com qualidade de
vida na cidade de Braga, que contrasta muito com a atual mobilidade. Portanto,
o que falta para melhorar a mobilidade?
Em 2019, a Câmara de Braga
publicou o “Plano de Mobilidade Urbana Sustentável”, que o presidente do
município apresentou como a garantia de um «futuro mais risonho» para a qualidade
de vida na cidade. Ricardo Rio fala de um projeto para “humanizar e
descarbonizar a cidade”, mudando o paradigma para peões, ciclistas e utilizadores
de transportes rodoviários (Olivera, 2019).
Por um lado, o documento, em si,
foi muito criticado pela “Braga Ciclável”, que descreve o plano com uma
abordagem teórica centrada na mobilidade sustentável, com medidas
contraditórias, falta de prazos para a concretização de objetivos e proposta
insuficientes para alcançar objetivos fundamentais, como, por exemplo, 10% de
população utilizar a bicicleta como transporte diário (Braga Ciclável, 2019).
Por outro lado, existe uma parte
população que vê medidas como tirar espaço de estacionamento e restrições à
circulação de carro em certas áreas como uma “ameaça” ao seu meio de deslocação.
Existe então uma contradição manifestada no estudo e faz isso a partir de várias
perspetivas complementares.
A
perspetiva da “agenda política”, principalmente das politicas europeias (green deal, agendas para a
sustentabilidade, etc.), mesmo quando racionais e bem-intencionadas, podem
gerar conflitos com os muitos micro-contextos culturais em que terão de ser
adaptados às necessidades de cada município/cidade. Apesar das intenções de apostar na
sustentabilidade e na qualidade de vida, as políticas pensadas podem ter
dificuldades em mudar o que quer que seja, porque uns não vão gostar da mudança
e outros vão achá-la tão insuficiente, isto é, que não passa de uma oportunidade
perdida.
A
perspetiva de alguns grupos de cidadãos de qualidade de vida passa, essencialmente,
por poder andar de carro para todo o lado sem nunca perder muito tempo no trânsito,
e isso retira espaço às visões mais modernas de qualidade de vida que reforçam
a sustentabilidade e o usufruto do espaço público.
Inês
José
Bibliografia:
Braga
Ciclável. (2019). Análise ao documento da Fase II do Estudo de Mobilidade e
Gestão de Tráfego do Município de Braga. www.bragaciclavel.pt
Olivera,
J. (2019). Plano de Mobilidade garantirá futuro «mais risonho» a nível de
qualidade de vida. Minho, Diário.
https://www.diariodominho.pt/2019/11/27/plano-mobilidade-qualidade-de-vida/
Policy, U. (2020). Report on the Quality of Life in
European. https://doi.org/10.2776/600407
Schweighöfer, K. (2019). O reino dos ciclistas. https://www.deutschland.de/pt-br/topic/vida/holanda-pais-das-bicicletas-porque-a-bicicleta-e-tao-estimada
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]
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