A
pandemia causada pelo vírus SARS-Cov-2 trouxe bloqueios que fecharam fronteiras
e interromperam o comércio internacional. Contudo, mesmo antes da pandemia, a
globalização já se encontrava “em apuros”. O sistema aberto de comércio que
todos conhecemos e que dominou a economia mundial durante décadas foi
prejudicado pela crise financeira e pela guerra comercial Chino-Americana,
trazida pelo ex-presidente Donald Trump, que misturou preocupações sobre
empregos de “colarinho azul” e o capitalismo autocrático da China, com uma
agenda mais ampla de chauvinismo e desprezo por alianças. A pandemia não será o
início do fim da era global, mas não se espera que a reabertura das economias
nos traga um mundo despreocupado, de movimento desenfreado e livre comércio
como no passado.
É
quase certo que a pandemia politizará as viagens e a migração e consolidará uma
tendência à autossuficiência de cada país. Essa alteração introspetiva
enfraquecerá a recuperação, deixará a economia vulnerável, levando à
instabilidade geopolítica mundial. Se olharmos para o comércio internacional, a
comida ainda está a ser transacionada, a Apple insiste que pode lançar iPhones
a preço recorde e as exportações chinesas têm-se mantido até agora,
impulsionadas pelo aumento de vendas no setor dos materiais de saúde. Porém, o
efeito geral é selvagem e espera-se uma queda de um terço no comércio mundial.
Exemplificando
com a cadeia global de produção do setor do vestuário, notamos que, apesar da
etiqueta dizer “Made in Taiwan”, a mesma engloba partes de outros países. As
fábricas chinesas viram interrompida a produção de fechos e botões devido à
pandemia, o que significa que os itens não foram transportados para o local de
montagem, impossibilitando as fabricas em Taiwan de terminar a produção, tendo
então de cancelar as encomendas de algodão na Índia, enquanto no ocidente os
consumidores viram as políticas de “lockdown” impossibilitá-los de chegar às
lojas para adquirir o produto. Segundo dados do US Census Bureau, o consumo de vestuário nos EUA baixou cerca de
73,5% em abril de 2020 face ao mês anterior. Podemos concluir que a baixa
procura no ocidente gerou milhões de desempregados nos países de mão-de-obra
barata. Todavia, caso exista a transferência do setor trabalho-intensivo para
os países desenvolvidos, este não irá gerar empregos, sendo a mão-de-obra
substituída por tecnologia em fábricas cada vez mais automatizadas.
A
globalização permitiu que empresas, produtos, ciência e tecnologia se movessem
além-fronteiras. De 1990 a 2008, o valor gerado pelo comércio de bens e
produtos cresceu de 39% para 61% do PIB mundial, segundo dados do Banco
Mundial. Este boom da globalização
permitiu a milhões de pessoas dos países em desenvolvimento deixar a pobreza, ao
passo que no Ocidente as pessoas tinham direito a bens e serviços mais baratos.
Em todo o caso, segundo o FMI, o PIB global irá diminuir cerca de 4,9%, face a
2019. No mundo ‘pós-Covid’, alguns elementos da globalização afetados pela
pandemia podem não voltar ao que eram. O mundo foi de inteiramente integrado
para desintegrado. Mas a pandemia não irá ser o fim da globalização, a pandemia
pode apenas acelerar a “desglobalização”.
Estamos
numa altura em que o comércio livre ficou fora de moda e o protecionismo
começou a aumentar. O número de intervenções no comércio, como, por exemplo,
tarifas e subsídios, está a aumentar cada vez mais. As multinacionais, ao
analisar os desafios da pandemia, chegaram à conclusão de que deveriam ser
menos globais e mais locais, de forma a combater as vulnerabilidades das
cadeias de produção internacional a este tipo de disrupções inesperadas. A
divisão entre estados não pode e não deve tornar-se o novo padrão. A pandemia
pode acelerar algumas coisas que já estavam em marcha, tornando-as
irreversíveis. Poderá, igualmente, mudar o curso da história. Ninguém sabe, de
facto, o que trará o amanhã. Há que ter cuidado com os futurologistas. O nosso
amanhã será moldado pelas decisões que as nossas sociedades tomarem hoje.
A
Covid-19 não condenou irreversivelmente a globalização. Veio, sim, ensinar-nos
que a cooperação é fundamental para que todos possamos sobreviver. A
regulamentação do comércio internacional poderá precisar de ser revista e
fortalecida. Da mesma forma, o papel das Nações Unidas, da União Europeia e da
OMS deverá ser reavaliado e a sua eficácia deverá ser aumentada. Vamos esperar
pelo melhor.
Luís Filipe Martins
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia da EEG/UMinho]
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