quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A ilusão de um crescimento cada vez mais comprometido…

A expressão “Economia Portuguesa cresce 1,1% no segundo trimestre e supera previsões” deve ter provavelmente sido um dos títulos de notícia mais utilizado dos últimos meses, aquando da publicação dos dados recolhidos pelo INE referentes ao desempenho trimestral da economia portuguesa. Gerou-se de tal forma um clima de desproporcionado otimismo que já se falava na reversão da tendência, e libertação da espiral recessiva.
Em Agosto do presente ano, após a publicação das Contas Nacionais Trimestrais pelo INE, o alarido em torno de um heróico crescimento da economia portuguesa (superior a qualquer outro país da União Europeia) foi abordado em todos os meios de comunicação social. A veneração deste crescimento foi de tal modo intensa que se tornou rapidamente um indicador de viragem económica, que o fundo do poço havia sido atingido, e que daqui em diante o crescimento da economia estaria assegurado. Ora, uma breve consulta dessa mesma publicação do INE transmite uma realidade um pouco diferente. O título deste não refere qualquer crescimento, mas sim a real diminuição de 2% do PIB português face ao período homólogo. Efetivamente, uma análise mais atenta dos dados deveria incidir sobre períodos homólogos, pois esses apresentam questões de sazonalidade idênticas.
Acreditando em algum real significado e consequente reflexo económico destes 1,1% de crescimento do produto, será de todo pertinente analisar um pouco mais a fundo a sua origem. Para que este crescimento do produto se reflita na realidade económica do país no longo prazo, era favorável que ele se baseasse em rúbricas como o investimento – formação bruta de capital fixo – pois seriam reflexo do otimismo das empresas na retoma económica. Segundo os dados do INE, este crescimento de 1,1% ficou a dever-se a variações no investimento (responsável por 46,7% da variação), consumo final (24%) e ao saldo das exportações e importações (29,3%). Ora, observamos que grande parte deste crescimento, efetivamente veio de investimento. Mas será isso um sinal positivo? Infelizmente, os dados do INE vêm contradizer este facto, pois este investimento ficou a dever-se não a ativos de valor produtivo, mas sim a duas rubricas em particular: a variação de existências e a equipamentos de transporte. Isto resulta de uma extraordinária movimentação de importações de mercadorias que levaram a um forte aumento dos stocks, e a importação de aeronaves. Ora, se este aumento no investimento se ficou a dever em grande parte a materiais/equipamentos importados, o seu efeito real no PIB é muito próximo do nulo.
 Mas nem tudo é negativo neste cenário. Uma vez que o saldo das exportações contribui positivamente para o crescimento do PIB, este está a desempenhar um papel fundamental no processo de retoma económica, pois, como podemos facilmente observar, se encontra subavaliado. Se as rubricas introduzidas no investimento (e consequentemente aumento de peso das importações) não estivessem contabilizadas, a percentagem na variação de 1,1% do PIB da responsabilidade do saldo externo era ainda superior. Mesmo a questão da sazonalidade pode ser discutida (uma vez que atravessou o período festivo da Páscoa, o que pode favorecer o saldo externo), a melhoria do saldo externo tem sido uma das poucas boas notícias que recebemos.
Finalmente, a contribuição do consumo das famílias para o crescimento do PIB, apesar de mais pequena, foi talvez a mais importante. Amparada por chumbos do Tribunal Constitucional a fortes medidas de austeridade, este aumento do consumo final foi sem dúvida uma boa surpresa.
Se que este pequeno aumento do consumo das famílias, que representou uma lufada de ar fresco após períodos de sucessivas e incontáveis medidas de austeridade, teve tanto significado para os descritos como quase heróicos 1,1% de crescimento do PIB, como é que se propõe para o ano de 2014 mais um pacote de pura e dura austeridade? É verdade que os sinais de abrandamento da recessão (sim, abrandamento, pois ainda é prematuro pensar-se em inversão) efetivamente existem, esta “insistência no erro” prevista para 2014 irá certamente deitar por terra quaisquer previsões otimistas que estes pequenos mas agigantados 1,1% trouxeram.

José Senra

Em relação com este assunto, aconselho a leitura de: http://www.ces.uc.pt/ficheiros2/files/6BarometroCrises_Batemos_final.pdf

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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