De acordo
com a disciplina de Economia Pública, em Portugal, os cuidados de saúde são
considerados bens privados fornecidos publicamente, na medida em que o custo de
exclusão é baixo e o custo marginal de um indivíduo adicional recorrer a estes
serviços é alto.
Quando um bem privado é fornecido
gratuitamente, existe grande possibilidade de haver sobreconsumo desse bem.
Como os indivíduos não pagam pelo bem, consumi-lo-ão até ao ponto em que o
benefício marginal que recebem é zero, apesar de haver um custo marginal
positivo associado ao fornecimento do bem.
Quando a procura é relativamente
rígida, a ineficiência por excesso de consumo será suficientemente pequena,
pelo que se justifica aplicar uma política de fornecimento gratuito, evitando
custos de transação – os custos associados ao estabelecimento de um sistema de
preços. Se a procura é elástica, o Estado deverá optar pela aplicação de uma
taxa (i.e., preço), como elemento dissuasor do consumo.
Com
efeito, quando se opta pela primeira, é necessário cobrar impostos que
financiem o fornecimento do bem – causando distorções na economia –, além de se
gerarem ineficiências por excesso de consumo. Por outro lado, quando se opta
por uma taxa de fornecimento, incorre-se em custos de transação e em ineficiências
por subconsumo.
No
que diz respeito aos cuidados de saúde primários[1],
privilegia-se a opção pela taxa de fornecimento, uma vez que, considerando uma
curva de procura relativamente elástica, os custos de transação mais a
ineficiência por subconsumo apresentam-se menores do que as distorções causadas
pelos impostos e a ineficiência por excesso de consumo. Esta análise
estritamente teórica aplica-se, em particular, aos cuidados de saúde primários,
relativamente aos quais a decisão de consumo depende em grande medida do
utente. Em casos mais graves, a decisão de consumir, ou não, cuidados de saúde
já não depende exclusivamente daquele, mas, sobretudo, do clínico responsável.
Por isso, quando falamos de taxas moderadoras[2] nos cuidados primários, falamos de um sistema
de racionamento da procura (SRP), porque a decisão de consumo depende, quase
exclusivamente, do utente.
Gouveia,
Silva et al (2006) estimam um custo
médio de 68,59€ por consulta numa Unidade de Saúde Familiar, correntemente
taxadas a 5,00€ (7,3% do custo total). Isto indicia que, em Portugal, as taxas
moderadoras estão a funcionar como um SRP, muito mais do que como forma de
financiamento. Neste sentido, as evidências apontam para um sistema misto de fornecimento de cuidados de
saúde primários, em que as taxas moderadoras funcionam como SRP para atenuar a
ineficiência por excesso de consumo e em que o grosso do financiamento se faz
por via fiscal.
Se
as taxas moderadoras procurassem refletir fielmente o princípio do
utilizador-pagador, seria necessário um aumento considerável do seu valor, com
o objetivo de contribuírem de forma financeiramente significativa para a
cobertura das despesas de saúde.
A
opção entre o fornecimento tendencialmente gratuito, financiado por impostos, e
a aplicação de uma taxa de fornecimento está longe de ser consensual. Das
principais propostas na área do financiamento dos cuidados de saúde em Portugal
nas últimas duas décadas, duas publicações privilegiam o primeiro modelo em
detrimento do segundo; uma publicação sugere o oposto e, ainda, uma outra
distingue o seguro social.
Simões
et al (2008), no Relatório para a
Sustentabilidade Financeira do SNS, apresentam como propostas a atuação em
diversos aspetos, pois nenhum deles por si só aparenta ser suficiente para
assegurar a sustentabilidade financeira do sistema. A opção pela manutenção do
financiamento por impostos gerais é clara, sendo, contudo, sugeridos
ajustamentos em termos de isenção de taxas moderadoras.
Luís Sousa Sá
[1]
Os
cuidados de saúde primários são o primeiro nível de contacto dos utentes com o
sistema de saúde e têm como base os clínicos gerais (medicina geral e
familiar).
[2] Note-se: moderadoras da procura.
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1ºciclo) da EGG/UMinho]
[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1ºciclo) da EGG/UMinho]
1 comentário:
Note o leitor, caso não tenha sido explícito, que eu não defendo um aumento das taxas moderadoras. A minha opinião é que é fundamental que os recursos médicos sejam alocados a quem verdadeiramente precisa deles. Neste sentido, qualquer mecanismo que evite usos abusivos e injustificados será bem-vindo. Sem, contudo, atingir um patamar que possa excluir quem quer que seja do acesso a cuidados de saúde.
Procuro, com este texto, causar uma reflexão sobre uma questão que é eminentemente civilizacional: a escolha entre um sistema de financiamento por via fiscal, ou um sistema que traduza o princípio do utilizador-pagador.
Como julgo ter mostrado, está longe de ser conseguido um consenso nesta matéria.
Espero, então, ter contribuído para uma discussão mais esclarecida.
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