domingo, 14 de outubro de 2012

A casa foi construída… pelo telhado

A Europa mostrou ao mundo que é possível trazer a paz e a unidade a uma região com uma história de violência e, ao fazê-lo, criou uma sociedade democrática e próspera que combina direitos humanos com um grau de segurança económica individual que o resto do mundo está muito longe de igualar.
De facto, a crise financeira de 2008 demonstrou as vantagens do modelo económico e social Europeu. À semelhança do que aconteceu nos EUA, a Europa registou uma severa contracção económica resultante do colapso financeiro mundial, contudo os custos humanos parecem ter sido menos pesados. Efectivamente, as leis que regem os despedimentos limitaram a perda de empregos, os programas de protecção e assistência social possibilitaram aos desempregados aceder a um subsídio de desemprego e ter acesso a cuidados de saúde. Isto, apesar do PIB Europeu ter caído em 2009, segundo dados do Eurostat, cerca de 4,3% e o dos EUA 3,1%.
Actualmente, a Europa atravessa uma crise profunda. Do ponto de vista económico e monetário, a implementação da moeda única constitui a face mais visível duma história de sucesso, no entanto, esta está em perigo e cada vez mais se assemelha a uma armadilha.
Nos anos 90, para venderam o euro a povos muito diferentes uns dos outros, os arquitectos da moeda única fizeram uma série de promessas, a maior parte contraditórias. Os alemães e os países nórdicos foram convencidos de que a União Monetária não daria origem a transferências orçamentais e criaria uma moeda estável. Aos franceses foi dito que o euro permitiria ao seu país competir e conquistar novos mercados internacionais. Os países do sul, Itália, Espanha, Grécia e Portugal, viram o euro como um garante de estabilidade monetária e de taxas de juro eternamente baixas e, até mesmo, como um meio para o enriquecimento através do endividamento.
Foi um período de grande entusiasmo para todos os países europeus. O euro tornou-se rapidamente uma divisa internacional importante, as notas de euro começaram a circular por todo o mundo. Instalava-se na Europa um novo sentimento de confiança, em particular nos países tradicionalmente considerados como investimentos de risco. Em meados dos anos 2000 as obrigações gregas, irlandesas, portuguesas e espanholas eram negociadas como se fossem tão seguras quanto as alemãs. À medida que as taxas de juro baixavam, países outrora considerados de risco, lançavam-se num frenesim de crédito. A dívida pública portuguesa ultrapassa hoje os 100% do PIB, a Grega os 150% e a Espanhola aproxima-se dos 100% do PIB.
Enredados na dinâmica e na fantasia do seu projecto, os países do euro ignoraram as dificuldades inevitáveis associadas à criação de uma moeda única e nunca criaram as instituições necessárias à viabilidade do euro. Efectivamente, toda a disciplina e estabilidade monetária está a cargo de uma instituição (o BCE) e de um pacto de estabilidade e crescimento que tem por função assegurar a disciplina orçamental através da fixação de uma taxa máxima de 3% de défice público em relação ao PIB. E, é praticamente tudo.
Não existe um governo central sólido, não existe integração orçamental, os contribuintes alemães não tomam parte nos custos dos funcionários públicos gregos ou do resgate dos bancos irlandeses ou, tão pouco, nos custos das pensões e reformas dos portugueses. Não existe uma cultura partilhada, nem uma língua comum, o que dificulta a mobilidade do factor trabalho.
Os dirigentes europeus nunca dotaram a UE de instituições e estruturas capazes de suportar o euro, nem criaram mecanismos de resolução de crises. Nunca existiu um regulador ou um fundo comum de resgate bancário, nunca existiu uma agência europeia capaz de emitir euro-obrigações, nunca existiu uma política orçamental comum capaz de garantir a estabilidade do euro. Os dirigentes europeus “construíram a casa pelo telhado”.
A crise financeira de 2008 demonstrou a vulnerabilidade da Zona Euro. À semelhança do que aconteceu nos EUA, as economias periféricas da Europa endividaram-se muito acima da sua capacidade de pagamento. As bolhas imobiliárias camuflaram temporariamente a não sustentabilidade subjacente dos empréstimos. Contudo, em 2008 a bolha rebentou e assistimos a um colapso financeiro do qual resultou uma severa contracção económica.
Em finais de 2009, enquanto o mundo saia da crise financeira, a Europa entrava numa nova crise. Os países periféricos, que a partir do ano 2000 se tinham lançado numa política de endividamento, sofreram perdas drásticas na confiança dos investidores e, por conseguinte, uma subida muito significativa do custo dos empréstimos.
No entanto, foram as decisões políticas que acabaram por colocar em perigo a solvência de alguns países. Durante a procura de soluções para a crise financeira, os líderes europeus decidiram que cada país garantiria o seu próprio sistema bancário e tomaria as políticas necessárias para sair da crise, ignorando por completo a existência de uma moeda única. E, assim, a crise financeira transformou-se numa série crises orçamentais que forçaram países como a Grécia, Irlanda e Portugal a solicitar apoio financeiro externo e a adoptar severas e dolorosas medidas de consolidação orçamental.
Esta posição dos líderes europeus, a defesa dos interesses individuais em vez de uma solução comum, associada à total ausência de um mecanismo europeu de resolução de crises tem-se traduzido por uma união monetária dividida, a funcionar mal e que põe mesmo em causa todo o projecto europeu.
“A casa foi construída pelo telhado” e é importante que os países europeus reconhecem a dimensão da decisão tomada aquando da adopção do euro e os erros presentes aquando da sua criação, pois só assim será possível definirem medidas comuns capazes de evitar o fracasso do projecto da moeda única. Tal fracasso representaria um duro golpe, porventura irreversível, no processo de integração europeia.

Ricardo Rui da Costa

[artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho] 

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