O cenário macroeconómico europeu é devastador. A taxa de desemprego na UE é superior a 10%, sendo cerca de 25% em Espanha; o desemprego jovem é brutal; as economias europeias abrandam desde 1970; Grécia, Irlanda, Itália e Portugal têm uma dívida pública superior a 100% do PIB e uma série de outros países violam os 60% definidos no PEC; três países estão a recorrer a ajuda externa e mais um está em eminência de recurso; as finanças públicas de algumas nações estão descontroladas e os ajustamentos das contas públicas estão a originar instabilidade social e reivindicações, inclusivamente no nosso país, epitetado como o “bom aluno”, munido de “uma população disposta a fazer sacrifícios”; o BCE tem sido incapaz de definir políticas monetárias relevantes que reúnam consenso entre os membros da UEM.
Discutida um pouco por toda a sociedade civil, a hipótese da implementação do federalismo na UEM granjeia bastantes apoiantes e tem-se alicerçado na constatação de divergências entre as Economias da UEM, que se traduzem em assimetrias nos choques económicos, relativamente aos quais os Estados perderam instrumentos importantes de combate, diferenças no acesso ao financiamento dos diversos Estados e talvez, ainda em maior medida, por ser encarado como capaz de servir como um importante auxílio no combate ao cenário económico e social das regiões mais críticas.
Equacione-se a existência de um governo supranacional, de uma liderança intergovernamental ou da mera constituição de um orçamento federal gerido por uma instituição de supervisão, que poderia até não implicar a revisão dos tratados, o cerne da ideia assenta na existência de um orçamento federal que permita transferências interestaduais. Outro objetivo é uma maior uniformização nas taxas de juro a que os vários Estados se financiam, taxas essas que poderiam ser uma só, dependendo do modelo seguido. Para tal ser possível, os Estados teriam de, em maior ou menor medida, dependendo das especificidades da proposta, abdicar de parte da sua soberania fiscal e orçamental, tal como submeter-se a um controlo mais rígido sobre as suas finanças públicas.
No curto prazo, abrir-se-ia caminho para transferências de países com uma situação económica e financeira mais estável, para aqueles que têm tido dificuldade em conciliar o ajustamento nas finanças públicas com a não destruição de emprego. No longo prazo, a mudança implicaria uma maior sustentabilidade das finanças públicas de cada Estado-membro, dada a maior rigidez no seu controlo, mais “equidade” no acesso aos mercados e contribuiria também para a absorção de assimetrias de perdas de rendimento nos choques económicos (Sachs e Salai-i-Martim em 1992 estimaram que o sistema federal dos EUA absorve cerca de 40% das perdas de rendimento dos choques assimétricos). Um outro benefício, claramente mais hipotético, seria o reforço da coesão dos Estados-membros, que poderia ainda tornar a União mais apetecível para os que nela desejam entrar. Haveria um aumento dos incentivos para a convergência económica, que poderia conduzir a novos alargamentos, reforçando o papel geopolítico e a importância do Euro a nível global.
No entanto, enquanto economistas, devemos começar por questionar se, por si só, a integração orçamental e fiscal tornaria os benefícios inerentes à existência de uma moeda única superiores aos seus custos. Atualmente, considera-se que tal não acontece na UEM, sendo os EUA, devido à sua dimensão, a única área monetária comparável à UEM, tomados como um exemplo de uma Área Monetária Ótima (AMO). Comparando as duas áreas relativamente às caraterísticas que minimizam os custos da perda da capacidade de fazer política monetária e cambial, constata-se que: a flexibilidade de preços e salários é maior nos EUA; a mobilidade de trabalhadores de áreas em recessão para áreas em expansão é maior nos EUA. Os EUA têm também um maior grau de integração económica, o que amplia os benefícios da existência de uma só moeda. Logo, a mera integração orçamental não implicaria uma equivalência entre a UEM e os EUA relativamente à eficiência da existência de moeda única.
A perda de soberania fiscal e orçamental e a consequente diminuição da capacidade dos Estados satisfazerem diretamente as necessidades de curto prazo das suas populações, tal como a existência de um controlo muito forte da atividade destes, por parte das instituições responsáveis e de países como a Alemanha, relativamente aos quais não é plausível assumir que aceitariam mais integração sem verem o seu papel de liderança ou influência política ainda mais reforçado, são consequências negativas inerentes à hipótese em discussão. Em conjunto, poderiam gerar ondas de revolta e um clima de ódio face ao(s) “líder(es) político(s)”, minando as relações entre os vários Estados e as suas populações.
Tentador no atual contexto, o avanço para maior integração é um passo cujas consequências políticas e socias estão repletas de imprevisibilidade. Este afetaria a soberania dos Estados-membros e o previsível domínio alemão não é certamente do agrado de toda a população da União. Além disso, não conseguimos, através de um mero exercício de abstração teórico, assegurar que este avanço transforme a UEM numa AMO, apesar de melhorar claramente a sua eficiência. Logo, havendo intenção de avançar com esta reorganização da UEM, reputo como imprescindível um alargado estudo e debate da questão, assim como uma divulgação igualmente alargada dos resultados dos mesmos. As populações devem ser informadas e ouvidas, sendo a realização de referendos algo desejável. Não considero o envolvimento de toda a sociedade uma receita milagrosa, mas julgo plausível considerar que este implicaria um aligeirar do sentimento de revolta, no caso de as coisas correrem mal e, em qualquer contexto, um maior sentimento de pertença ao desenrolar do processo.
O longo período de paz e cooperação europeu desde 1945 pode iludir-nos quanto à natureza do “espírito” deste continente, assim como relativamente às motivações das suas nações e populações, mas, em última análise, mudanças que interfiram tão amplamente com uma mecânica de natureza tão complexa, devem ser altamente ponderadas e aprovadas pelo cidadão comum. Será razoável continuar em frente de outra forma, quando muitos sinais nos podem levar a concluir que já fomos demasiado longe?
João Luís Martins
Notas:
1-no artigo não me pronuncio sobre a plausibilidade da hipótese em questão, nem das condições que poderiam levar a Alemanha e outros países a aceitar esta alteração;
2- os dados provêm do Eurostat, do Banco Mundial e do livro: International Economic: theory and police, Krugman et al., 2009, 8th edition, Pearson Addison-Wesley Education
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