quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O imperativo da dívida

            A apresentação do Orçamento de Estado para 2013 assinala, de forma clara, um processo generalizado na direção da austeridade como única solução viável para o imbróglio das contas públicas portuguesas. Contudo, apesar de toda a retórica associada às instituições Europeias defender a necessidade de um regime de austeridade como forma de propiciar um acréscimo de competitividade que, por sua vez, revigore o tecido económico, verificamos que na realidade a posição portuguesa tem vindo a deteriorar-se, lentamente mas de forma inequívoca.
            Atualmente, Portugal observou a sua dívida pública ascender aos 117,5% do Produto Interno Bruto, ficando apenas atrás da Grécia (150,3%) e da Itália (126,1%) no total do conjunto da União Europeia. Convêm salientar que uma parte importante da dívida acumulada não resulta diretamente do impacto da crise que teve o seu início em 2008, graças à precariedade do setor imobiliário norte-americano, que se alastrou ao sistema financeiro e prontamente propagou-se pelo restante globo, mas sim a uma prática não publicitada de desorçamentação implementada por vários governos portugueses de forma a cumprirem as metas do défice para a qual contraíram inúmeros empréstimos externos. Constatamos que o intuito previamente mencionado não é apenas eticamente desonesto como prejudicial para a Economia, sendo que as quantias adquiridas através do endividamento não são investidas mas sim consumidas, e expeditamente descartadas. Com o valor da dívida a não demonstrar sinais de abrandamento, estando perigosamente perto dos 200 mil milhões de euros, e uma conjuntura de austeridade extremamente desfavorável a qualquer tipo de crescimento, chegando a encorajar a depreciação da mão-de-obra, concluímos que o pagamento fica cada vez menos exequível, principalmente nos preços e prazos acordados com a Troika.
            O fator fulcral para o futuro imediato de Portugal será a “sustentabilidade” da sua dívida, o que por sua vez é largamente dependente da dimensão da recessão que vamos experienciar, ou seja, se o acréscimo da tributação fiscal juntamente com as restantes medidas de austeridade prolongarem o período recessivo sem que haja uma estabilização dos juros aquém dos 7%, ver-se-á um crescimento explosivo do valor da dívida pública. A estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta para os 134% como sendo a meta que indica o momento em que Portugal deixa definitivamente de ter qualquer hipótese de pagamento, um cenário que tem sido pouco publicitado.
            As condições que rodeiam a temática da dívida levantam inúmeras referências a reestruturações, algo que pode ser definido pela ótica de um incumprimento que é negociado com os próprios investidores, tendo em vista o reescalonamento da dívida pública graças ao prolongamento da maturidade dos títulos e à redução das taxas de juro. Apesar de numa primeira análise o conceito de reestruturação ser singularmente apelativo, verificamos que também acarreta algumas desvantagens, principalmente se tivermos em conta que desde que o rating de Portugal passou a ser classificado como “lixo”, o investimento estrangeiro dissipou-se rapidamente. A saída de Portugal do mercado implica que os principais credores da dívida pública sejam as entidades FMI e Banco Central Europeu, juntamente com a própria banca portuguesa, o que garante que não seria apenas o exterior com algo a perder. Talvez o maior argumento em detrimento da reestruturação da dívida seja o grau de exposição do sistema bancário Alemão e Francês às dívidas dos países europeus periféricos, razão pela qual a União Europeia adota uma posição oficial de intransigência.
            A outra alternativa seria o incumprimento (“default”), em que o Estado Português recusar-se-ia a honrar as suas obrigações, declarando insolvência, uma opção que deve ser posta de parte pelas suas consequências potencialmente catastróficas, particularmente a quebra no financiamento e a desvalorização do nível médio de vida, já sem mencionar as repercussões legais.
            Concluindo, a aposta na austeridade comprometendo o crescimento económico pode aplacar no curto-prazo as exigências dos credores mas irá certamente apenas maquilhar o perigo subjacente de não haver receita para reembolsar a dívida. Assim, penso que a única solução possível vai ter de passar por um perdão parcial da dívida, uma ação que depende implicitamente de uma mudança ao nível das mais altas instâncias europeias. É necessário deixar de haver duas Europas a ritmos distintos e em que o pretexto da união económica é utilizado para o favorecimento de um ciclo restrito. Tudo isto não iliba a passividade do governo português, sendo fulcral uma transformação da orientação da política económica e financeira.

Duarte Guilherme Araújo Guedes Machado

[artigo de opinião desenvolvido no âmbito da unidade curricular “Economia Portuguesa e Europeia” do 3º ano do curso de Economia (1º ciclo) da EEG/UMinho]

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